O chá na onda dos fermentados
A fera Carla Saueressig, uma das maiores especialistas de chá do Brasil, mostra a versatilidade do uso da bebida nos fermentados
Por: Carla Saueressig
Ambos tomamos quentinhos, geladinhos, usamos como ingredientes para doces, salgados, drinques, sucos e ainda podemos fazer com eles bebidas fermentadas. Quem já ouviu falar de kombucha? “Uma bebida milenar fermentada com o auxílio de uma cultura de bactérias e leveduras selvagens provenientes de um chá ou de uma infusão, podendo ser saborizadas com frutas e especiarias.” Copiei a explicação do livro Fermentação à Brasileira, Ed. Melhoramentos, de Fernando Goldenstein Carvalhaes e Leonardo Alves de Andrade, os maiores craques, pesquisadores, estudiosos e experimentadores do Brasil, as feras em fermentações selvagens e no resgate das nossas “origens fermentadas”.
Em 2015, ganhei uma “mãe de kombucha”, scoby, da querida amiga Neide Rigo. Ainda vou escrever sobre a Neide, aguardem… Ela também deu a primeira “mãe de kombucha” para os Guris, Leo e Fernando, plantando neles a semente da Cia. dos Fermentados, a empresa que criaram juntos, composta pela Escola Fermentare e a indústria de fermentados. A Cia. dos Fermentados fabrica kombuchas, vinhos, sidras, vinagres, conservas de vegetais e outras bebidas não convencionais.
Como eu queria ter kombucha para comercializar na Loja do Chá e não tinha tempo para fabricá-la, fui atrás dos Guris, pois fiquei sabendo que estavam produzindo a bebida para vender. Eles tinham iniciado a produção, naquele 2015, incentivados por um amigo que não queria mais ganhar kombucha de presente e comprou a primeira garrafa. Até 2016, não existia legislação sobre kombucha – eu comprava da Cia. dos Fermentados e vendia como um refrigerante natural à base de chá e erva-mate. A Loja do Chá foi a primeira a vender kombucha e a dar scoby para quem quisesse. No primeiro curso de sommelier de chá do Brasil, organizado por Sonia Yamane e por mim, começávamos as aulas servindo kombucha feito pelos Guris e todos os alunos saíam com uma “mãe de kombucha”, da Neide Rigo, para fazer a sua bebida em casa. Era tudo novo.
Os Guris cresceram e a sala do apartamento, de 15 metros quadrados, ficou pequena para eles e todas as experimentações e produtos. Eles precisavam de um lugar, e o mercado, de uma legislação que oficializasse o kombucha. Já havia outras pessoas produzindo também, e o Leo, então, fundou a Associação Brasileira de Kombucha – a Abkom, buscando viabilizar o registro no Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (Mapa) e criar o padrão de identidade e qualidade do kombucha – PIQ. De 2017 a 2019, muitas trocas de e-mails, muitas reuniões em Brasília, até sair a redação da lei. Então, foi convocada audiência pública pelo Diário Oficial, para leitura da lei na presença de representantes de grandes indústrias cervejeiras, de refrigerantes, acadêmicos e “kombucheiros”. Foram 12 horas de reunião, para, enfim, em 17 de setembro de 2019, ver publicada a Instrução Normativa número 41, que oficializava o kombucha como a primeira bebida fermentada não alcoólica no Brasil.
Em meio a tudo isso, eu dava minhas ideias de comidas e os Guris acatavam e faziam – temos uma parceria leal e saborosa. Além de kombucha, juntos fabricamos uma compota de lichia com folhas de chá preto do Sítio Shimada: a produção de lichia havia sido excepcional no Sítio Shimada, e foi muito bom aproveitarmos a safra. Depois do apartamento minúsculo, enchente, incêndio e quatro mudanças de endereço, hoje a Cia. dos Fermentados está instalada em uma planta fabril que produz, além de muitos fermentados, nove marcas de kombucha para terceiros.
A partir de pesquisas, experimentações, aulas, saiu, em 2020, o primeiro livro dos Guris: Fermentação à Brasileira – que vivo consultando e que cito no início deste texto. Um maravilhoso guia que recomendo ter, para entender os princípios básicos da fermentação. Os Guris não param, e em 2022, veio o segundo: Açúcar, Álcool e Vinagre – Celebrando a Arte da Fermentação, pela Editora Fermentare. Nesse livro, tenho uma pequena participação, contando sobre os famosos vinagres e dos ovos no vinagre que minha mãe fazia.
O que se pode produzir fermentando chá e erva-mate além de kombucha?
“Vinho” de erva-mate, vermute com base de “vinho” de erva-mate, “vinho” de chá verde cofermentado com amoras, vinagre de chá ou de erva-mate, picles de vinagre de chá e de erva-mate, laphet – reaproveitando as folhas de chá e de erva-mate que foram infusionadas – fermentação lática anaeróbica como chucrute – macerar a erva-mate e colocar no vermute para dar um sabor tânico e herbal.
Se converso com os Guris ou vou visitá-los, me emociono lembrando minha infância e vivendo essa festa que é comer e beber em sua companhia. Sem falar nos ensinamentos e experiências que compartilham com todos, revelando todo o seu conhecimento aos que queiram se aventurar nesse mundo maravilhoso da fermentação.
Para comprar os produtos e livros, basta acessar o site ciadosfermentados.com.br e “fermentem-se”!