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Briga de garfos grandes

Por Mariella Lazaretti, de Londres*
Fotos divulgação

Os irmãos Joan, Jordi e Josep recebem o troféu pelo primeiro lugar na lista dos 50 melhores restaurantes do mundo: perfeccionismo e obsessão por novidades

Lá estava eu em Londres, no The World’s 50th Best Restaurants – S.Pellegrino & Acqua Panna, o prêmio cujo nome é o mais comprido e mercadologicamente improvável de todos os tempos – e que nem sequer é um prêmio, e sim uma lista – mas que é tido, hoje, como o momento mais esperado entre os grandes restaurantes do planeta. Sentada na segunda fila das cadeiras reservadas à imprensa, no Guildhall London, na noite de 29 de abril de 2013, eu revezava todas as minhas habilidades cerebrais e motoras entre postar no Facebook, reverter para o Instagram, falar pelo whatsApp com a redação em São Paulo e entender o inglês e o espanhol. Não deveria restar mais nenhuma sinapse entre os neurônios para outras observações, mas está além das forças de uma mulher não fazer isso – olhar ao redor. 

Além de roupas, cabelos, ternos, caras, posicionamento das câmeras de transmissão, da localização da porta de emergência e da boca torta (torta, como se anestesiada) do apresentador, observei que a festa da divulgação da lista dourada dos 50 Melhores Restaurantes do Mundo, organizada pela revista inglesa Restaurant, é uma espécie de final de Copa. O formato é de pura Copa. Cerca de 700 pessoas entre chefs, jornalistas e patrocinadores se reúnem em um auditório para olhar, assobiar e aplaudir um telão. De vez em quando um cara invade o campo e sobe ao palco – é o homenageado nominal. O melhor por categoria. Alex Atala subiu para pegar seu troféu de Melhor Restaurante Sul-Americano; Nadia Santini (do restaurante Dal Pescatore), o de Chef do Ano; Grant Achatz (do Alínea), de Melhor Chef, segundo os chefs da Academia. E o número 1, o restaurante El Celler de Can Roca, que, apesar de ser tocado por três irmãos, teve o discurso de agradecimento feito pelo mais velho deles, Joan Roca, escrito e traduzido previamente  para o inglês.

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Foi um resultado aplaudidíssimo. Os irmãos Roca se tornaram um ícone de excelência e perfeccionismo só superados por sua obsessão em inovar. No dia da premiação, eles haviam reunido a imprensa para anunciar a ópera El Somni, coisa de doido: uma espécie de instalação itinerante que coloca 12 comensais em torno de uma mesa, para ser  envolvidos por vídeos, imagens, música e cores. “Algo que posso explicar por horas e ninguém vai entender. Só experimentando”, disse Jordi Roca na ocasião.

No telão, chefs subiam e desciam no ranking como bola em tiro de meta e chute de escanteio. Brasileiros viciados em torcer em Copa torciam in loco e de longe. Muitos tinham fé de que Alex Atala subiria com seu D.O.M. de quarto para primeiro lugar. Ficou em sexto lugar, mantendo um posicionamento estratégico muito bom. Na história do prêmio, que começou em 2003, já se viu de tudo. Chefs e restaurantes fizeram o natural caminho ascendente e descendente, sem grande sofrimento. Gordon Ramsey esteve bem colocado durante anos até que, em 2009, desapareceu da lista principal. Thomas Keller já figurou em primeiro lugar com seu The French Laundry, em 2003, e na edição 2013 viu seu restaurante quicando para fora da área, em 47o. O que isso significa? Muito para uns, nada para outros. Thomas Keller, que possui cinco casas, consegue manter sua visão distante da grande área de prêmios com tranquilidade. Sabe que há muitas outras maneiras de mensurar o valor de um restaurante – ganhar dinheiro com a presença de público é uma delas. Mas, até chegar a esse estágio, o chef sofre.

Estar entre os dez primeiros é a posição de maior angústia e estresse. “O dia mais feliz de minha vida foi quando entrei na lista dos 50”, costuma dizer Alex Atala, referindo-se ao ano de 2006. “Manter-se no meião do campo, entre os 20 e poucos, também era bom”, diz. Claro, garante prestígio, o que enche o restaurante e mantém filas de espera, e não exige uma dedicação tão focada na manutenção do prêmio. 

Juan Mari Arzak fincou pé no oitavo lugar desde 2008 (em 2009 caiu para nono, mas voltou em 2010 para sua cadeira cativa, onde está até esta edição). E parecia bem feliz por estar onde estava. “O que importa é que a Espanha está muito bem representada entre os primeiros”, disse ele antes da cerimônia – no que foi prontamente cutucado pela filha Elena. Não pega bem cantar vitória antes da hora – sobretudo porque os resultados oficiais ainda não tinham sido oficialmente divulgados. Com essa frase, ele expôs um ponto crucial no 50th Best: como a Copa do Mundo de futebol, a disputa deixou de ser entre restaurantes e passou a ser entre países. 

Nem uniformes e bandeiras faltaram em campo. Os chefs espanhóis vergavam sobre a roupa de festa uma echarpe verde. Os italianos Massimo Bottura, Davide Scabin, Enrico Cripa e Umberto Bombara adentraram o pátio do Guildhall com uma bandeira italiana. Modestos, os brasileiros chegaram com seu sorriso como porta-estandarte. Mas… É importante que a gastronomia brasileira tenha sua voz no mundo e esteja bem posicionada. Os chefs Helena Rizzo e Daniel Redondo e a sócia Giovanna Baggio estavam exultantes por ter subido para o 46o lugar com seu Maní. “Veja só quantos restaurantes existem no mundo”, Helena dizia com seu belo sorrisão, “e nós estamos entre eles”. São realmente muitos, e para que essa lista tenha movimentos ascendentes que levem a carioca Roberta Sudbrack do 80o para o 50o e coloquem outros brasileiros no páreo é preciso entender friamente os critérios do prêmio.

A verdade é que a humanidade adora listas. É a solução eficaz para quem não sabe como avaliar um restaurante ou um vinho. Daí o sucesso de Robert Parker e suas listas. Alguém tem de fazer “o bom trabalho sujo”. No caso do 50th Best, são 900 pessoas entre gourmets, jornalistas, conhecedores que votam anualmente em sete restaurantes que visitaram nos últimos 18 meses. O planeta é dividido em 27 regiões, coordenadas por delegados. No Brasil, o responsável é o jornalista Josimar Melo. A ficha de participação é preenchida e entregue via internet. Os votantes devem dizer a data em que estiveram nos restaurantes escolhidos e explicar por que os elegeram. Agora, atenção: como alguém pode votar em um restaurante na Cochinchina se não esteve lá nos últimos 18 meses? A Cochinchina, se não o próprio restaurante, tem de providenciar que isso aconteça de algum modo, caso contrário, mesmo sendo um restaurante fantástico, ele nem sequer figurará na lista de aspirantes.

Aqui no Brasil, eventos como a Semana Mesa SP e Paladar, que trazem chefs e jornalistas internacionais, têm sido alguns dos responsáveis para a introdução de nossos melhores restaurantes no 50th Best. O Brasil, mesmo sendo a bola da vez (é o que dizem, não me perguntem por quê), está fora do eixo Estados Unidos-Europa. No entanto, se essas ações fossem feitas como política da Embratur, nossas chances seriam matematicamente bem mais expressivas.

O Peru fez isso nos últimos anos e vejam o resultado no 50th Best: o restaurante Central entrou no 50o lugar e Astrid y Gastón teve a mais notável ascensão da temporada, saltando do 35o para o 14o e dando a Gastón Acurio o título de Highestclimber. Mais. O Peru, ao entender o caminho natural das coisas, foi além: pagou o preço e adquiriu o passe para sediar a versão do 50th Best Restaurants of Latin America, que acontecerá em Lima, no dia 4 de setembro. 

A Espanha vem fazendo isso há mais de uma década, o que chegou a empanar o brilho da boa fama milenar de França e Itália na Europa. Hoje, ela detém não só o primeiro lugar, o quarto (Mugaritz), o oitavo (Arzak), o 26o (Quique Dacosta) e o 44o (Asador Etxebarri), mas lançou e ajudou a manter o fenômeno Ferran Adrià em primeiro lugar por seis anos seguidos. Ninguém discute o valor de cada um desses endereços, certo? Se não fossem bons, não teriam se destacado no oceano de restaurantes. Estamos falando de matemática. 

Depois foi a vez dos países escandinavos que investiram pesado na divulgação de seus restaurantes mantendo o Noma por anos entre os três primeiros lugares (hoje, em segundo) e colocando o Restaurant Frantzén (12o), o Fäviken (34o) e o Geranium (45o) na lista. A Itália, cuja tradição e inquestionável excelência em gastronomia são imperiosas para a autoestima nacional tanto quanto o futebol, trabalhou forte por seus chefs: além dos restaurantes Piazza Duomo (41o), Combal Zero (40o), 8/12 Otto e Mezzo (39o, sediado em Hong Kong) e Le Calandre (27o), teve a escolha pontual de Nadia Santini e a subida de Massimo Bottura para o terceiro lugar. Quanto custa tudo isso, não se sabe. O que ficou claro é que em uma das piores crises de sua história a Itália até engole derrota no futebol, mas a taça de gastronomia ah… essa não pode ficar longe de sua casa materna por muito tempo.

Alex Atala, sexto lugar e com o troféu pelo Melhor Restaurante Sul-Americano: ele era feliz e sabia
Cripa, Bottura, Scabin e Bombara: avante, Itália!
Daniel, Giovanna e Helena: felizes com o 46o lugar
Arzak e Elena, de echarpe verde pró-Espanha
Gastón, Virgilio Martinez (chef do Central) e Diego Muñoz (chef do Astrid y Gastón): rindo à toa
  
* Mariella Lazaretti viajou a convite do patrocinador S.Pellegrino/Acqua Panna.

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