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Clássico que se Renova

Por Isabel Raia
Fotos RJ Castilho
Produção Cristina Esquilante 

Spaghetti alla Carbonara. Confira receita aqui.
Spaghetti alla Carbonara. Confira receita aqui.

O restaurante Attimo, sucesso desde que foi inaugurado, entra em uma nova fase. Sai de cena a cozinha ítalo-caipira, marca registrada de seu primeiro chef, Jefferson Rueda, e que, portanto, não teria a mesma melodia com outro profissional, e entra o sabor marcante da Itália, em que massas feitas no ponto certo e com molhos suculentos são o ponto forte. Para fazer essa mudança de rumo, o restaurateur Marcelo Fernandes convidou o chef Paulo Kotzent, que sabe os segredos dessa cozinha.

A culinária italiana é daquelas que cativam pelo sabor carregado de tradições, pelos aromas que tomam conta do ambiente ou pelo poder que seus alimentos têm de abraçar a alma. É difícil encontrar alguém que provou dos encantos do País da Bota e não se apaixonou. Quando tinha 20 e poucos anos, Kotzent decidiu fazer uma extensão do curso de arquitetura em Roma e bastaram seis meses para o jovem rapaz voltar ao Brasil como um perfeito gourmand. “Nem percebi, mas quando cheguei aqui eu falava muito mais da comida do que das artes, do curso que fiz ou da pós-graduação em restauração que sonhava antes em fazer em Siena”, diz.

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Neto de banqueteira, Kotzent foi criado em meio à cozinha, instalada em Jundiaí, no interior de São Paulo, porém tinha a culinária como um hobby e nunca havia pensado em trabalhar na área. “Cresci em um quintal de vó, que tinha uma cozinha profissional”, afirma. Quando chegou à Itália, passou por alguns choques culturais, como o fato de ter de se acostumar aos novos ingredientes e a respeitar a sazonalidade dos insumos. “Aqui, temos abacaxi e morango o ano inteiro. Outra coisa que me surpreendeu foi o fato de comerem o primeiro e o segundo prato separados, não tem isso de colocar a proteína e o carboidrato juntos.”

Além disso, o então estudante estava acostumado a uma cozinha italiana de imigrantes vindos do norte da Itália, pois seus avós eram das regiões do Vêneto e da Lombardia, mas ele foi para o sul do país. “Minha avó fazia muita polenta, e eu não encontrava isso em Roma. Só fui conhecer algo parecido em uma cidadezinha perto de Ascoli, quando fui comer na casa de uns amigos e a dona da casa perguntou sobre a cozinha de minha nonna e me surpreendeu no almoço de Páscoa com a polenta servida na tábua sobre a mesa. Cada um tinha um prato com o molho e pegava a polenta que estava disposta à frente”, diz.

Foi também nessa casa que Kotzent se surpreendeu com o cuidado com o alimento desde a plantação, isso porque ali a família produzia tudo o que comia, desde a batata, passando pelo milho para fazer o fubá, até o próprio vinho, uma vida digna dos sonhos de muitos cozinheiros ou apaixonados por alimentar-se bem. “Então, comecei a prestar atenção no que era comida e no valor da regionalidade, pois cada região tem sua culinária. É como se a comida de São Paulo e a de Minas Gerais, estados que fazem divisa, fossem completamente diferentes”, afirma. Isso porque a Itália é composta de 20 regiões e cada uma delas tem características próprias, Veneza e Nápoles, por exemplo, são cidades à beira-mar, porém têm cozinhas distintas.

É massa!

Despois que percebeu a vocação e a paixão por gastronomia, Kotzent foi estudar na Anhembi Morumbi e tinha como projeto de vida montar um bufê e um café com doceria. Porém, tudo mudou quando conseguiu o primeiro estágio em um restaurante de cozinha italiana, o Supra. Começou na confeitaria, mas aos poucos passou a cobrir folgas e descobriu que era a cozinha quente e a adrenalina de não ter uma rotina o que o fariam feliz. Ficou na casa por seis anos, quando seguiu para outro italiano, o Piselli, onde ficou por mais quatro anos. Saiu de lá para assumir a chefia da cozinha do Santovino, seguido pelo período em que ficou na Bráz Trattoria. Todos com foco na culinária da Itália.

“O Supra me ensinou a pensar na comida e no ingrediente acima de tudo. O Piselli me mostrou que o cliente e o serviço são fundamentais. No Santovino me tornei um chef adulto, pois não tinha o respaldo de outro chef ou de um restaurateur, como nas outras casas. E a Bráz me ensinou muito com o seu tamanho, ficava impressionado como tudo funcionava, era como se eu estivesse em uma multinacional, o que foi bom também para descobrir que não era aquilo que eu queria para mim.”

 Conversa em sintonia

Quando o empresário Marcelo Fernandes chamou Kotzent para conversar, ambos estavam com a mesma ideia, “italianizar” a cozinha do Attimo. A casa nasceu com Jefferson Rueda e sua cozinha ítalo-caipira, porém essa é uma característica muito pessoal de Rueda e que não poderia ser continua-da por outra pessoa. “É uma coisa dele, e não há cabimento outro fazer”, afirma Kotzent. Assim, o namoro entre Kotzent e Marcelo, que começou em fevereiro, foi consolidado com a chegada do chef ao restaurante em agosto. Agora, em outubro, eles lançam um novo menu, com foco mais preciso em cozinha italiana legítima e com a personalidade de Kotzent nos pratos. “Queremos ter receitas da Puglia ao Trentino representadas no cardápio. Não ficaremos presos a apenas uma região”, diz o cozinheiro.

Paulo Kotzent
Paulo Kotzent

À moda da nonna

A arquitetura ajudou Kotzent a pensar na estrutura e na composição dos pratos, mas para ele não há receita se não houver, acima de tudo, sabor. Entre os preparos favoritos está o carbonara, o qual ele se recusa a fazer com creme de leite ou sem o queijo pecorino. “Eu via muitos restaurantes a dizer que se não colocar creme de leite não vende, mas vende sim”, diz. Para dar a cremosidade correta, o cozinheiro explica que basta colocar, aos poucos, a água do cozimento da massa junto do preparo, tomando cuidado para não transformar a gema em omelete. “Temos de aproveitar que o macarrão solta amido e usar isso a nosso favor. Em relação à proporção da água, não há uma exata, é preciso observar a consistência conforme se coloca o líquido”, diz. Além disso, o carbonara não é feito com o ovo inteiro, mas apenas com a gema e, se alguém achar o sabor do pecorino muito forte, ele sugere colocar metade da porção de grana padano.

Quanto ao segredo para uma boa massa fresca, Kotzent destaca a qualidade do ovo, que deve ser fresco e caipira. “Acho que é mais importante até que a farinha. Se se usar uma de sêmola de grano duro brasileira e uma italiana, quem conhece e vai trabalhar a massa até vai sentir diferença na mão, mas no prato não vai ser algo tão gritante”, afirma. Em relação ao ovo, a mudança é total, visto que ele pode dar diferença na cor e na textura da massa, além de mudar o sabor.

Aproveitando que em 25 de outubro se comemora em todo o mundo o Dia da Massa, o chef ensina aos leitores de Prazeres da Mesa quatro novidades de seu cardápio recém-lançado. A começar pelo tortelli di costola di maiale, finocchio, fagioli e radicchio, em que o chef recheou a massa com carne de porco e colocou no molho os legumes que acompanhariam essa proteína. “Eu me dou bem com carne suína e queria tirar a má impressão de que ela é gorda ou faz mal”, diz.

O linguine alle vongole e bottarga entrou na lista por ser um prato leve, bonito e por resumir bem a ideia de algo simples e gostoso, tendo o toque especial da bottarga. “Para mostrar que dá para servir bem-feito um prato mais rústico da culinária italiana, escolhi o nhoque.” Por fim, o carbonara dispensa explicações, é daqueles clássicos amados por todos.

Confira as receitas de gnocchi al ragù de ossobuco; tortelli di costola di maiale, finocchio, fagioli e radicchio; e linguine alle vôngole

* Matéria publicada na edição 158 de Prazeres da Mesa

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