Por Marcel Miwa
Fotos RJ Castilho e Divulgação
O estereótipo de um tinto sempre é associado a um vinho concentrado, robusto e repleto de notas frutadas. Talvez esteja aí a receita do sucesso da Syrah, ou Shiraz (nomenclatura vastamente adotada pelos australianos). A capacidade de preencher as expectativas de qualquer consumidor desavisado com sua coloração violeta, aromas de frutas negras maduras (amora, mirtilo e cereja entre as principais) e taninos abundantes, mas pouco agressivos, principalmente se comparados aos da Cabernet Sauvignon, a coloca como curinga nas vinícolas. Ao mesmo tempo, a Syrah também consegue desenvolver distintas tipicidades, notoriamente duas, se plantada em lugares de clima frio ou quente. A primeira feição, considerada a original, é do norte do Rhône, na França, onde o clima fresco e ventilado e o solo granítico resultam em vinhos complexos, potentes e longevos (caso clássico de Côte-Rôtie, Hermitage e Cornas). Aliás, até o final da década de 1980 existiam duas teorias sobre a origem da Syrah. A primeira a situava nas imediações de Siracusa, na Sicília, de onde teria derivado seu nome. A segunda colocava seu berço na região da antiga Pérsia, onde encontraram referências a uma denominada Shiraz (inspiração para os australianos). A universidade Montpellier conduziu uma pesquisa de DNA da Syrah e concluiu que sua origem está próxima do Rhône e tem como ancestrais as castas Mondeuse Blanche e Dureza.
Já a segunda expressão da casta ficou marcada pelas terras australianas e depois se espalhou pelos países do Novo Mundo. Em solo com mais fertilidade e clima quente, a fruta se mostra exuberante, com vinhos cheios, com acidez e taninos comportados e aporte considerável do carvalho. Obviamente, existem (cada vez mais) exceções desse estereótipo. E ambos os casos são bem-sucedidos no mercado, o que explica a sexta posição entre as variedades viníferas mais plantadas no mundo (dados de 2010).
Para ter um panorama atualizado dos estilos de tintos feitos com a Syrah, reunimos os degustadores Alexandre Rodrigues, Marcel Miwa e Ricardo Romero, de Prazeres da Mesa, as sommelières Cassia Campos e Daniela Bravin, e Paulo Brammer, da Enocultura, e Rodrigo Lanari, da Winext, para provar às cegas 14 amostras de varietais de Syrah, de nove países, com preços de 88 a 194 reais. A degustação, realizada no restaurante NB Steak, contou com o impecável serviço do gerente e sommelier Cristiano Duarte, e para limpar o palato entre uma taça e outra foi preciosa a companhia dos pães Panesse. Vale destacar o desempenho da vinícola paulista Guaspari, que teve seu vinho classificado em segundo lugar.
Villard & Baudet Paradox Saint Joseph 2014
Rhône, França
R$ 149 – Chez France
91 pontos
A excelência do norte do Rhône falou mais alto na taça. O nariz com fruta negra fresca (cereja), pimenta-negra e carne assada, boca com taninos finos e firmes e um toque de especiarias traduziram o que se espera da tipicidade das regiões mais nobres e frias para o cultivo da Syrah. Um estilo sério, mais contido, mas cheio de nuances de aromas, e boca firme, que mostra algum potencial de evolução. Final com toffee e ervas frescas. Preço honesto para um vinho de Saint-Joseph.
Guaspari Vale da Pedra
Syrah 2015
Espírito Santo do
Pinhal-SP, Brasil
R$ 88
vinicolaguaspari.com.br
91 pontos
A vinícola paulista provou que tem boas qualidades mesmo nessa linha mais simples. Estagiado entre seis e oito meses em barricas de carvalho francês, este Syrah mostrou aromas de frutas negras concentradas (cereja e amora), tostado agradável (grafite e pimenta-negra) e um toque de couro. Na boca, foi considerado sério e com extração na medida, com toque salino, taninos finos e nada agressivos, frescor correto e final interessante, com defumados e anis. No quesito preço também foi o campeão.
Château Ste. Michelle
Syrah 2013
Washington Estate, EUA
R$ 177 – Winebrands
90 pontos
Assumidamente no estilo Novo Mundo, entenda, fruta madura, concentrada e exuberante, com carvalho presente, o exemplar americano encontrou bom ajuste dentro da proposta. O perfil da fruta (limpo, com ameixa e bala de cereja) lembrou muito o chileno Tarapacá, com melhor integração dos taninos e acidez, e as notas de barrica deram boa complexidade (baunilha, cedro e incenso) sem dominar o conjunto. Um Syrah fácil de agradar, com certa untuosidade e taninos muito finos.
San Pedro 1865 Syrah Single Vineyard 2014
Cachapoal, Chile
R$ 161,90 – Interfood
90 pontos
A fresca região de Cachapoal deu a este Syrah características do Velho e do Novo Mundo. No nariz, frutas negras concentradas e maduras (ameixa e mirtilo) com mentol e azeitonas negras. Na boca, a pimenta-negra se mostra junto com taninos firmes e abundantes. Há bom frescor, reforçado pela menta e álcool pouco perceptível. Os abaunilhados e tostados marcam presença, resultado dos 12 meses de estágio em barricas de carvalho (95% francesas e 5% americanas), metade novas.
Cortes de Cima Syrah 2013
Alentejo, Portugal
R$ 194 – Adega Alentejana
90 pontos
Normalmente associado a um clima quente, o Alentejo tem setores especiais, como a Vidigueira, na qual a ventilação traz algum frescor e permite a produção de tintos com expressões elegantes. O nariz é dominado por bala de cereja, amora madura, iogurte e café com leite. A madeira mostra maior vigor no final, com baunilha, mas a fruta está no primeiro plano. A ótima acidez e os taninos com perfil mediterrâneo (levemente arenosos) dão firmeza e vivacidade ao conjunto na boca.
Trinity Hill Syrah 2014
Hawkes Bay,
Nova Zelândia
R$ 192 – Premium
89 pontos
Embora não esteja entre as regiões mais frias da Nova Zelândia, este exemplar de Hawkes Bay (parte central da ilha norte) traz a expressão da Syrah de clima frio; aromas de fruta negra fresca, leve violeta e grapefruit e algumas notas do carvalho e da evolução na garrafa bem integradas: couro, defumado e canela. Na boca, agrada facilmente sem extremos de concentração e acidez e taninos presentes, mas muito finos e nada agressivos. O final um pouco mais longo deixaria o conjunto ainda melhor.
Chapoutier Domaine Tournon Mathilda Shiraz 2013
Victoria, Austrália
R$ 135 – Mistral
89 pontos
Com sobrenome que é referência no Rhône, Michel Chapoutier começou a trabalhar com vinhedos na Austrália em 1997. Em 2009, nasceu o Domaine Tournon e, como em sua terra natal, seguindo os preceitos do biodinamismo. Apesar das sutis notas de café e defumado, a vinificação utiliza apenas tanques de concreto e inox, não há presença de carvalho. Fruta negra fresca, azeitona preta e grapefruit completam o nariz. A boca ainda pode evoluir, com taninos firmes e acidez intensa, de perfil cítrico.
Domaine Ouleb Thaleb Tandem Syrah 2011
Zenata, Marrocos
R$ 133 – World Wine
89 pontos
Embora pareça uma curiosidade, este Syrah do Marrocos é feito pelo grande nome de Crozes-Hermitage. Alain Graillot conheceu o vinhedo em um passeio de bicicleta pela região (o que explica o rótulo). Apesar do calor, o vinho é comportado, com aromas de fruta negra madura, tomilho, pano tostado, toffee e mate tostado. Apenas 60% do volume do vinho passa por barricas de carvalho. A acidez tem boa intensidade; e os taninos, em média, presença
e redondos.
Ventisquero Grey Glacier Syrah 2014
Colchagua, Chile
R$ 119,50 – Cantu
89 pontos
Produzido com uvas de Apalta, uma parte especial nas encostas de Colchagua. O vinho se mostrou jovem e ainda fechado no nariz. A fruta negra bastante madura e concentrada (cereja e mirtilo) é acompanhada de carvão e um toque de baunilha. Na boca, a austeridade permanece com taninos firmes e compactos, acidez bem ajustada à grande concentração. Com mais alguns anos pode mostrar maior complexidade e amaciar parte dos taninos, deixando o conjunto mais democrático.
Jean-Michel Gerin
La Champine 2015
Rhône, França
R$ 169 – RBG Vinhos
89 pontos
Nome respeitado em Côte-Rôtie, onde tem a fama de fazer vinhos potentes e puros, Gerin mantém seu estilo mesmo neste rótulo mais simples. Ainda jovem, o vinho é violeta na cor e nos aromas, com frutas negras (mirtilo e jabuticaba) e um toque de pimenta-preta. Apenas 60% do vinho passam por barris de carvalho. Os taninos são finos e compactos, com bom frescor e álcool que mal se notam. Vale a pena acompanhar a evolução deste vinho na garrafa.
Laurent Combier Crozes Hermitage 2008
Rhône, França
R$ 146 – Zahil
88 pontos
O vinho que destoou (mas agradou) no painel. Com feições naturais, isto é, coloração rubi-claro, túrbido, aromas de frutas vermelhas frescas ácidas (framboesa e cranberry), lavanda, folhas secas e toque cítrico, este tinto certamente é o menos típico quando se pensa em Syrah do Rhône, mas é um tinto delicado e agradável de beber. Os taninos já estão amaciados pelo tempo, e a acidez pulsante não deixa o conjunto frouxo ou pesado na boca.
Matetic Corrallilo
Syrah 2014
San Antonio, Chile
R$ 129 – Grand Cru
88 pontos
Se na amostra anterior o estilo era ditado pela forma de produção do vinho, aqui as características da região se manifestam de maneira mais intensa que as da casta. Neste caso chileno, a fruta negra madura, intensa, com toque de eucalipto e ervas tostadas denunciavam a origem do vinho. Na boca, mostrou taninos musculosos
e potentes, com acidez ótima e bem integrada
e textura acetinada.
Tarapacá Gran Reserva Syrah 2015
Maipo Alto, Chile
R$ 110 – Épice
88 pontos
Considerado o “irmão” do exemplar americano pelo estilo moderno, com fruta concentrada e exuberante. No nariz, ameixa e licor de cereja com baunilha e folhas secas aparecem com intensidade e boa definição. Na boca, é compacto e concentrado, com frescor suficiente e taninos com bom polimento. Um vinho fácil de agradar por ter poucas arestas na boca e as notas lácteas do carvalho bem integradas à fruta.
Principe di Spadafora Alhambra Syrah 2013
Sicília, Itália
R$ 111 – Vinci
87 pontos
O exemplar siciliano mostrou a tipicidade da fruta da Syrah (bala de cereja e pimenta-preta) com terra e pólvora. Um estilo simples e correto, vinificado apenas em tanques de cimento, sem passagem pelo carvalho e com toques de especiarias e ervas no final. Os taninos são levemente secantes mas há boa acidez e sem excesso de concentração ou álcool. Um vinho despretensioso, fácil e correto.