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Sobremesa dos amantes

Dizem que o tiramisù nasceu nos bordéis italianos e que era de consumo obrigatório antes de encontros apaixonados por ser fonte de energia. Teorias deixadas de lado, fica a certeza de que a receita continua balançando corações

Por Isabel Raia

Fotos RJ Castilho e Divulgação

É só abrir o cardápio de um restaurante italiano, seguir para a parte de sobremesas, deslizar o dedo indicador pelas opções e ali estará: tiramisù. É uma receita tão famosa quanto as massas e as pizzas e não é apenas em casas especializadas em culinária da Itália que a encontramos. Ela já viajou o mundo e ganha novas versões por onde passa. O modo de preparo tradicional está presente no Japão há mais de 25 anos e, recentemente, nasceu por lá o “tiratisù”, feito com creme e queijo de soja. Mesmo na Itália são comuns as desconstruções em torno dessa sobremesa, que pode ganhar até azeitonas, como a servida no restaurante Pont de Ferr, em Milão. No Brasil não é diferente. Aqui, a base clássica de queijo mascarpone, café, chocolate, biscoito champanhe e ovos ganha forma em sorvetes, bolos, mousses, cheesecakes… e onde mais a criatividade permitir.

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Surgem daí roteiros de onde comer a melhor criação – e nós preparamos um com os melhores endereços de São Paulo e do Rio de Janeiro, que você confere ao final desta reportagem. E ainda ensinamos o passo a passo da receita direto da cozinha do premiado Picchi. “Para mim, uma sobremesa, seja ela qual for, precisa ter apenas a quantidade necessária de açúcar e estar na proporção correta, de modo que, quando você terminar de comer, ainda se sinta bem”, diz o chef Pier Paolo Picchi, que opta por fazer o mais próximo possível de um tiramisù clássico.

Foto RJ Castilho
Tiramisù do Nino Cucina

Para isso, presta atenção em detalhes como produzir o próprio biscoito champanhe. A receita já conhecida da doçaria foi registrada no Trattato di Cucina, Pasticceria Moderna, Credenza e Relativa Confettureria, de Giovanni Vialardi, em 1854, na Itália, e, disseminada na confeitaria graças a sua textura esponjosa que favorece a absorção de líquidos. Tanto que no tiramisù ao ser embebida em uma mistura de café espresso e licor ou conhaque – sendo a bebida alcoólica opcional, adquire textura que lembra a de pão de ló. No Brasil, porém, é comum encontrar quem substitua o biscoito pelo bolo feito com ovos, açúcar e farinha de trigo.

“O tiramisù é um doce untuoso, bastante macio e molhado. Ao mesmo tempo tem de estar firme, aerado, e desmanchar na boca. É uma sobremesa bem complexa, porque é preciso harmonizar o café e o chocolate, dois sabores intensos e que permanecem na boca, com o mascarpone, que é delicadíssimo”, afirma Picchi. Para o chef, um dos principais erros é colocar creme de leite em vez de mascarpone, item que ele considera o mais importante da receita, por dar o toque salgado e ser responsável por equilibrar os sabores. Por isso, também o prepara na casa. “Misturo leite cru, uma base ácida, que pode ser limão ou cremor tártaro, e levo ao fogo. Quando começa a ferver, desligo o fogo e separo a parte densa, que será o mascarpone.” A partir daí é preciso ficar atento à proporção na montagem. Picchi coloca primeiro a camada de biscoito, depois a de creme, na mesma espessura da anterior, mais uma vez de biscoito, de creme e, finalmente, o cacau em pó. Tanto zelo pelo equilíbrio da sobremesa tem um porquê: o chef não é lá amante de doces e, para agradar a seu paladar exigente, é preciso que todos os ingredientes estejam em plena harmonia.

Foto RJ Castilho
Tiramisù do Picchi

Como fazia a nonna

Nascido em Gallipoli, na região da Puglia, Rodolfo de Santis, do Nino Cucina, lembra-se com carinho do tiramisù. Era essa a sobremesa que sua avó servia após o almoço de domingo, sempre montada em uma travessa de vidro. “Muitas das receitas do restaurante são inspiradas em minhas lembranças de infância, e essa é uma delas, por isso servimos sempre no potinho, que lembra o pirex de minha avó”, afirma o cozinheiro.

E a referência à avó não para por aí. Foi também ela quem ensinou a montar o doce somente algumas horas antes de servir, para que o biscoito ainda esteja crocante quando o tiramisù chegar à mesa. Assim, no Nino, a sobremesa é montada cerca de 10 minutos antes da abertura da casa, de modo que, até o final da refeição do primeiro cliente, ela atinja a textura ideal para Rodolfo. “Gosto do biscoito um pouco mais crocante”, diz. Por apreciar essa crocância, o chef defende que o biscoito não seja substituído por pão de ló.

Quando o assunto é dar textura aerada ao creme, Rodolfo aconselha bater a clara do ovo por 3 ou 4 minutos, até que fique bastante consistente, e incorporá-la a um mascarpone de boa procedência na proporção de 1 quilo de queijo para 200 gramas de clara batida. A mistura em que o biscoito será embebido merece atenção. “É preciso usar café de boa qualidade e gosto de colocar um pouquinho só de licor ou vinho Marsala. Minha avó usava o licor Strega, mas acho-o forte demais”, afirma Rodolfo. O tempo de imersão do biscoito no líquido é curto, por cerca de 30 ou 40 segundos, para evitar que desmanche.

Vêneto versus Toscana

Como grande parte das receitas italianas, a de tiramisù também tem sua autoria bastante disputada. Há versões sobre sua origem em Siena, Florença, Lodi, Veneza, Carnia e Treviso, sendo duas as histórias mais difundidas. A primeira delas é de que teria nascido nos bordéis do Vêneto, logo depois da Segunda Guerra Mundial, pois era um doce que fazia despertar,  graças à combinação de chocolate e café – na época o mascarpone estava fora desse preparo, porque poderia dar sono. Somente na década de 1960, o chef Alfredo Beltrame teria levado essa sobremesa ao grupo de restaurantes Toulá, onde era feita apenas com ovos e açúcar batidos, biscoito champanhe embebido no café espresso e cacau em pó.

Outra versão é de que o tiramisù foi um doce criado no final do século XVII para agradar ao grão-duque de Toscana, Cosimo III de Medici, durante sua visita a Siena. A receita fez tanto sucesso entre a corte e os intelectuais toscanos que, mesmo depois da passagem do duque, continuou sendo feita.

Pondo fim à discussão, os autores Clara e Gigi Padovani definiram o doce no livro Tiramisù – Storia, Curiosità, Interpretazioni del Dolce Italiano Più Amato como uma sobremesa que reúne todo o país, porque tem o biscoito do Piemonte, o mascarpone da Lombardia, o café que chegou pela primeira vez por Veneza, o cacau trazido pelos portos da Ligúria e o vinho Marsala da Sicília. Um tratado de paz pronto para ser celebrado com diferentes versões de tiramisù.

Roteiro: Onde comer tiramisù

São Paulo

Brace

Instalado dentro do Eataly, que faz ode à cozinha italiana e até já lançou mundialmente o #TiramisuDay, o Brace faz parte dos bons endereços para saborear essa sobremesa.
A receita segue a base tradicional (mascarpone, café e vinho Marsala), é acompanhada
de sorvete de cappuccino e pensada
para compartilhar.

Av. Juscelino Kubitschek, 1469, Vila Nova Conceição, tel. (11) 3279-3323, São Paulo, SP;

bracebaregriglia.com.br

Mesa III

A receita de Ana Soares é montada com antecedência, fica na geladeira por cerca de

12 horas antes de ter o cacau polvilhado por cima e ser servida. É feita com biscoito champanhe, mascarpone, vinho Marsala

e leva uma calda de chocolate meio amargo, com creme de leite, mel e manteiga.

Rua Alves Guimarães, 1474, Vila Madalena,
tel. (11) 3868-5501, São Paulo, SP; mesa3.com.br

Osteria del Pettirosso

Servido na taça, o tiramisù da Osteria del Pettirosso destaca o sabor do café e, inclusive, é finalizado com alguns grãos torrados para acentuar o sabor da bebida. O creme de mascarpone é leve e bem aerado.

Alameda Lorena, 2155, Jardim Paulista, tel. (11) 3062-5338, São Paulo, SP; pettirosso.com.br

Pomodori

Servido com uma calda de chocolate, com a qual é feito um desenho no prato, o tiramisù do Pomodori é untuoso ao mesmo tempo em que tem o sabor do chocolate pronunciado. A porção é generosa e faz um convite para dividir.

Rua Dr. Renato Paes de Barros, 534, Itaim Bibi, tel. (11) 3168-3123, São Paulo, SP; pomodori.com.br

Supra

Mauro Maia se orgulha de ter sido destaque anos atrás graças a seu tiramisù. A receita, apesar de servida em porção generosa, é bastante leve, o que permite apreciá-la até o final sem se sentir pesado ou cansado.

Rua Leopoldo Couto de Magalhães Júnior, 681,

Itaim Bibi, tel. (11) 3071-4473, São Paulo, SP;

supracucina.com.br

Rio de Janeiro

POR URSULA ALONSO MANSO

Tiramisù do Cipriani I Foto: Divulgação/ Rodrigo Azevedo
Tiramisù do Cipriani I Foto: Divulgação/ Rodrigo Azevedo

Cipriani

Sem medo de ousar, o novo chef do Cipriani, no Rio, Nello Cassese, trocou o ovo da receita original do tiramisù por creme de leite, para suavizar o sabor da sobremesa servida em taças no almoço. No jantar, foi mais além, desconstruiu totalmente a tradição italiana. Na base do prato entra uma redução de café expresso e, sobre ela, mousse de chocolate 80%. Depois vêm o muffin de chocolate e Savoiardi (biscoito champagne), o sorvete de café e a espuma de mascarpone. Para coroar, folhinhas de ouro. “A ideia é apresentar uma das sobremesas mais copiadas no mundo, de uma forma moderna, com diferentes texturas, mas reproduzindo o sabor da receita original”, afirma Nello.

Belmond Copacabana Palace, Av. Atlântica, 1702, Copacabana, tel. (21) 2548-7070, Rio de Janeiro, RJ; copacabanapalace.com.br

Gabbiano

Carioca, filho de um italiano com uma baiana, Romano Fontanive se formou na Escola de Gastronomia de Belluno. Mas, quando o assunto é tiramisù, ele afirma que aprendeu mesmo foi com a tia paterna, Anna Maria. À frente do Gabbiano Al Mare e do Gabbiano Ristorante, ambos no Rio, ele serve o bom e velho tiramisù “de corte”, comumente encontrado ao norte da Itália. “Que exige o legítimo mascarpone italiano, cacau amargo de qualidade, um bom café e repouso de, no mínimo, 12 horas na geladeira”, diz. Fora do restaurante, porém, Romano brinca com receitas autorais e conta já ter feito até tiramisù de cerveja.

Gabbiano Al Mare, Av. Vieira Souto, 320, Sol Ipanema Hotel, Ipanema, tel. (21) 2521-6464; Gabbiano Ristorante, Av. das Américas, 3255, loja 142, Shopping Barra Garden, Barra da Tijuca, tel. (21)
3153-5529, Rio de Janeiro, RJ; gabbiano.com.br

São Paulo e Rio de Janeiro

Fasano

Em São Paulo e no Rio, o tiramisù servido nos restaurantes dos hotéis Fasano é uma receita que o chef Luca Gozzani aprendeu com a avó Domenica, cozinheira de uma pousada na Toscana, onde ele costumava passar o  verão. Leva mascarpone importado, ovo caipira, biscoito feito diariamente na casa, calda à base de café selecionado e cacau orgânico. “Tradicionalmente, a sobremesa é preparada com antecedência, em assadeiras, com o biscoito bem molhado no café, mas nós montamos o tiramisù na hora e deixamos o biscoito levemente crocante para trazer textura ao prato”, diz Paolo Lavezzini, chef do Fasano Al Mare, no Rio. “O tiramisù é uma das sobremesas preferidas do Rogério (o restaurateur Rogério Fasano), ele diz que o nosso é o melhor tiramisù do mundo”, afirma, rindo.

Fasano Al Mare, Av. Vieira Souto, 80, Ipanema, tel. (21) 3202-4030, Rio de Janeiro, RJ; fasano.com.br

Fasano, Rua Vittorio Fasano, 88, Cerqueira César, tel. (11) 3896-4000, São Paulo, SP; fasano.com.br

Tiramisù do Fasano I Foto: Fasano/ Divulgação
Tiramisù do Fasano I Foto: Fasano/ Divulgação

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Prazeres da Mesa

Lançada em 2003, a proposta da revista é saciar o apetite de todos os leitores que gostam de cozinhar, viajar e conhecer os segredos dos bons vinhos e de outras bebidas antecipando tendências e mostrando as novidades desse delicioso universo.

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