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Pensando fora da casca 

Criadora do conceito de bombons de sobremesa, a chocolatière Melissa Coppel faz releituras de tortas, verrines, doces clássicos e até mesmo de receitas salgadas 

Apaixonada por confeitaria, a colombiana Melissa Coppel é formada na French Pastry School, em Chicago, mas deixou de lado o trabalho em L’Atelier de Joël Robuchon para se dedicar à maternidade. Foi quando sentiu na pele a dificuldade de encontrar uma oportunidade que lhe permitisse conciliar a família e a carreira profissional.

Sem muitas opções, Melissa precisou aceitar a vaga de chocolatière no cassino Caesar’s Palace, em Las Vegas. Dez anos se passaram e, hoje, ela é conhecida internacionalmente como uma das maiores especialistas em bombons do mundo.

Melissa Coppel | Foto: divulgação

Com mais de 100.000 seguidores no Instagram, a chocolatière encanta com seus bombons multicoloridos e, claro, extremamente instagramáveis. Mas, o sucesso de Melissa Coppel não está só na apresentação chamativa. Ela desenvolveu um conceito inédito, os bombons de sobremesa.

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“Percebi quão monótono meu trabalho poderia ser ao fazer ganaches e pralinés o dia inteiro. Então, tive a ideia de recriar sobremesas como tortas e verrines. Em vez de me preocupar com a durabilidade dos bombons, decidi fazer deliciosas receitas dentro de cascas de chocolate”, disse Melissa Coppel em uma publicação na rede social. Ao longo desta década como chocolatière, ela já recriou inúmeras receitas em forma de bombom, até mesmo pratos salgados.

Em setembro de 2019, a especialista que é embaixadora da Cacao Barry e comanda The Melissa Coppel Chocolate and Pastry School, em Las Vegas, esteve no Brasil pela primeira vez para realizar um workshop sobre bombons e snacks contemporâneos na Chocolate Academy, da Callebaut. Durante a ocasião, ela conversou com exclusividade com Prazeres da Mesa. Confira a entrevista a seguir.

O que é preciso para fazer um bombom? Existe bombom perfeito?

Melissa Coppel – Acredito que o conceito de perfeito é relativo, mas, para mim, tem a ver com padrões. Sou muito perfeccionista em tudo que faço, por isso não consigo achar que algo esteja perfeito. Mas, acredito que para ser perfeito, um bombom deve ter a mesma proporção de casca e de recheio. Além disso, o chocolate da casca deve combinar com os recheios, independentemente de quantos forem. É preciso levar em conta também a doçura, a textura e as combinações de sabores. É muito complicado e complexo fazer bombons e eu levo essa arte muito a sério.

Como é seu processo de criação dos bombons? 

Minhas inspirações vêm de minhas memórias. Gosto muito de voltar ao passado e relembrar os sabores de que gostava quando era criança. Gosto também de incluir aqueles que experimento em minhas viagens. Já estive em muitos países e pude conhecer diversas culturas, o que acaba resultando em combinações interessantes.

Mas, às vezes, tiro inspirações de coisas mais simples, como quando vou ao supermercado e vejo um produto diferente e, então, decido criar algo em cima dele. Fico entediada muito facilmente e, logo, começo a imaginar combinações inusitadas. Pode até parecer meio estranho de explicar, mas quando crio um bombom, imagino os sabores e, de repente, surge a imagem dele em minha cabeça. Quando vou testar, muitas vezes, o resultado é péssimo, mas em outras dá certo.

Bombom de ganache de morango e marzipã de azeitonas. Confira a receita aqui
Das combinações que deram certo, de qual você mais gosta?

Mudo de sabor favorito a toda hora. Eu vou falar de um agora, mas daqui a um mês provavelmente já terei outro. No momento, estou apaixonada por um bombom inspirado no macarrão caccio e pepe. É uma combinação clássica de queijo com pimenta e esse bombom leva uma infusão de ganache de creme de parmesão com pimenta. É uma delícia.

Você trabalha bastante com ganache. Para o que é preciso atentar na hora de preparar esse tipo de recheio?

É tudo uma questão de porcentagem, ou seja, para se ter uma boa ganache é preciso respeitar as proporções certas. Uma ganache tem de ter uma quantidade mínima de açúcar e o restante deve ser de líquidos. Então, ao criar uma receita é preciso contar as quantidades de água, manteiga de cacau, óleo e açúcar e calcular a proporção de cada um desses ingredientes. É importante levar isso a sério, mas também às vezes as pessoas se preocupam demais com a matemática e acabam se esquecendo do sabor, que é o mais importante. Por isso, fazer ganache não é tão fácil quanto aparenta ser.

Agora, falando sobre a apresentação. Você costuma usar aerógrafo para decorar os seus bombons, mas não é todo mundo que tem esse equipamento. Dá para fazer uma bela decoração sem usar spray? 

Você pode obter o mesmo resultado do aerógrafo usando uma escova ou esponja. A única diferença é que o spray acelera o trabalho, por isso se torna muito útil para quem produz bastante com chocolate. Na hora da decoração, é preciso atentar para algumas coisas, como ter cuidado com a temperatura e com a temperagem. Decorar em ambiente muito quente fará com que o chocolate derreta muito rápido. E se o chocolate não estiver bem temperado, ele, provavelmente, não ficará com aquele brilho bonito.

Bombom de torta e ganache de maçã caramelizada e praliné de noz- pecã e crunch
Vi que você está trabalhando em uma linha de bombons veganos. O que a fez desenvolver essa linha?

No primeiro momento, comecei a desenvolver bombons veganos, pois me sentia mal em ter um produto que nem todo mundo poderia consumir. Mas depois levei em conta questões de sustentabilidade. Acredito que qualquer contribuição individual é necessária para ajudar o meio ambiente.

Porém, para ser sincera, eu me incomodei bastante quando comecei a testar minhas receitas veganas. Sempre acreditei que meu lado confeiteira me faz querer inventar sabores e, por isso, meus bombons não têm o chocolate como sabor principal. Gosto de usar ingredientes diversos para criar sabores diferentes e, para a linha vegana, precisei trabalhar apenas com o chocolate amargo, já que o ao leite obviamente estaria fora de questão.

O chocolate amargo é potente na boca, o que rouba o sabor dos recheios. Acho um pouco sem graça um bombom que tenha apenas sabor de chocolate, por isso, senti um grande desafio ao trabalhar essa linha. Por outro lado, não tive dificuldade em pensar nas substituições. O coco é um grande aliado, tem o leite e o óleo que ajudam muito para entrar no lugar das demais gorduras.

O que você acha do mercado de chocolates bean to bar, que não para de crescer?

Como embaixadora da Cacao Barry, trabalho apenas com o chocolate deles, por isso, eu não tenho um envolvimento direto com bean to bar, mas mantenho sentimentos mistos sobre esse mercado. Acredito que há pessoas fazendo um trabalho incrível e, claro, que vale a pena usar esse tipo de chocolate.

Mas, por outro lado, por ser uma grande tendência mundial, há muitas pessoas que começaram a trabalhar com o bean to bar apenas pela moda e, por isso, sou bem realista em relação ao cenário. Há um trabalho incrível com o bean to bar, mas ao mesmo tempo há muitas pessoas que estão apenas preocupadas em vender um chocolate com uma embalagem bonita, e na maioria das vezes não possuem tanto conhecimento ou não têm paixão pelo que estão fazendo. Isso me assusta um pouco.

Qual dica você pode dar para quem quer se aventurar no mundo dos bombons? 

Primeiro é preciso ir atrás de conhecimento, seja assistindo aulas, seja lendo bons livros. Começar a praticar sem nenhum conhecimento técnico, pode gerar frustrações que farão as pessoas desistir rapidamente. Depois de adquirir algum conhecimento básico, é preciso muita dedicação para treinar.

Acredito que cada pessoa tem um diferente objetivo, afinal, nem todos querem ser o melhor do mundo em fazer bombons e nem todo mundo quer vender bombons, há quem queira aprender apenas para fazer para a família. O importante é saber o que você quer, entender o que é preciso para chegar até lá e criar um plano. Se você quer se dedicar profissionalmente, após treinar muito, é importante começar a desenvolver as próprias receitas e técnicas.

É a partir desse momento que o trabalho se torna interessante, pois você começa a trilhar seu caminho e não precisa mais depender dos outros. Não é difícil, mas ao mesmo tempo eu também diria que não é fácil. Ao estudar e se dedicar, o caminho ficará mais fácil e como resultado você terá uma linda carreira pela frente.

Bombom de compota e ganache de pêssego e crumble de queijo gruyère | Fotos: RJ Castilho
* Matéria publicada originalmente na edição 197 de Prazeres da Mesa

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Stephanie Vapsys

Foi vendendo cupcakes na feira de empreendedorismo da escola, aos 15 anos, que Stephanie Vapsys se encantou pela confeiteira e, posteriormente, pela gastronomia. A jovem que nunca recusa um docinho ou um convite para jantar, decidiu cursar jornalismo na Faculdade Cásper Líbero por ser fã de literatura e fascinada por contar boas histórias. Desde 2015, na redação de Prazeres da Mesa, a repórter teve a oportunidade de conviver diariamente com sua grande paixão. Depois de grandes contribuições, partiu para novos desafios no início de 2020, deixando a equipe de Prazeres da Mesa.

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