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Chefs celebram ingrediente ícone da cozinha mineira: a carne suína
À mesa do mineiro, não podem faltar café, pão de queijo e porco. O estado de Minas Gerais é um dos maiores produtores e consumidores de carne suína, tendo nesse ingrediente inspiração para muitas receitas saborosas e recheadas de tradição. Como não poderia deixar de ser, no Mesa Ao Vivo, chefs de dentro e fora do estado celebraram esse consagrado insumo por meio de preparações de dar água na boca.
“Trabalho muito com carnes em geral, mas sou apaixonado por porco”, disse Djalma Victor, do OssO e da Rotisseria Central. “É um produto muito versátil e que temos em abundância.” Para sua aula no evento, o chef elaborou uma receita intitulada “porquinho na fazenda”. Na preparação, a barriga de porco é prensada e acompanhada de miniarroz, “terra” de cogumelos desidratados, purê com cenoura feita na brasa, minilegumes, picles de cebola-roxa e pó de couve.
“Existem diversas maneiras de se preparar uma barriga de porco. É possível fazê-la na panela de pressão, resfriando-a e fritando-a, que fica uma delícia. Podemos prepará-la como bacon, utilizá-la em farofa e até em doces”, disse Djalma. Segundo ele, a vantagem da barriga prensada (em que a carne cozida é “achatada” entre duas formas) é conseguir retirar a gordura restante na peça. “E, com essa gordura, ainda podemos elaborar outras receitas.”

Suíno versátil
Sabor agridoce, defumado ou com toque de acidez, não importa. A carne suína aceita as mais diversas combinações. Versátil como poucos ingredientes, a barriga de porco, na receita de Fábio Jobim, chef do restaurante Gero, do Fasano de Belo Horizonte, acompanhou purê de ervilhas com ora-pro-nóbis, molho de jabuticaba, picles de cebola-roxa e manteiga defumada. “Ela é ainda marinada em cachaça por pelo menos 12 horas, em geladeira”, afirmou.
Na hora de ir ao forno, o chef diz que, para não correr o risco de queimar a carne, é possível colocá-la sobre uma “cama” de cebolas, criando com isso um fundinho de sabor. Além disso, nessa receita, a barriga é também prensada, permanecendo por mais 6 horas em geladeira, para que o corte fique perfeito. “Após esse processo, ela é selada em frigideira com manteiga defumada”, disse. Para o preparo da manteiga, é preciso colocá-la em um recipiente com carvão em brasa, tampado, permitindo que a fumaça faça seu papel. Depois, basta coar.
Sabor de regionalidade
Além da barriga de porco, o brasiliense Lui Veronese resolveu homenagear o estado de Minas Gerais acrescentando ainda mais regionalidade a sua receita. Goiabada, fubá e algumas panc nativas estrelaram no prato apresentado por ele no Mesa Ao Vivo.
A carne suína recebeu a companhia de um demi-glace de goiabada e foi servida junto de nhoque de fubá, ora-pro-nóbis e maria-gondó. “A cocção da barriga é bastante simples, não precisa de muitos equipamentos para conseguir uma carne úmida, suculenta e no ponto”, afirmou. “O nhoque também é superfácil. Preparei-o com mandioca e fubá, manteiga e temperos. Não leva nem mesmo farinha, a própria mandioca já aglutina a mistura e combina muito bem com o porco e a goiabada.”
O ponto alto da receita, garante Lui, é o preparo da carne junto ao molho. “A barriga fica muito boa porque cozinha com o molho, que fica delicioso por estar junto da barriga. Então, são duas cocções que, quando juntas, ficam ainda mais especiais.”
Para ele, o porco é um produto saboroso, saudável e barato. “Além disso, tem tradição. É uma carne que nossos avós faziam”, disse. “Ela deve ser incentivada. Temos de quebrar esses mitos acerca da saúde, concepções do século passado. Em Brasília, infelizmente, não temos uma forte cultura de consumo de porco. É um trabalho que está sendo incentivado agora, então temos um longo caminho pela frente.”
Simples e extraordinário
Um dos porta-vozes da cozinha mineira, Leo Paixão não poderia deixar de celebrar a carne suína. Para o evento, o chef do Glouton, do Nicolau Bar da Esquina, do Nico Sanduíches e jurado do programa Mestre do Sabor, da Rede Globo, apresentou uma papada de porco com mil-folhas de mandioca, cebola e acelga grelhada. “Esse foi o primeiro prato mineiro mais emblemático da minha carreira”, disse. “Representa a volta do meu olhar para Minas Gerais. É uma receita com técnica, mas procurando as raízes de nossa terra.”
A carne é retirada do pescoço do porco e, por ser bastante gorda, passa por um processo similar ao do preparo do vitelo. “Retiro a gordura, grelho e asso no forno com suco de laranja e temperos. Em seguida, para ficar firme, desmancho a carne e a enrolo em papel-filme, como um salame, e deixo-a na geladeira.”
Como acompanhamento, a mandioca se transforma em mil-folhas, em que lâminas finas do ingrediente são intercaladas com manteiga, depois assadas por algumas horas. “É importante colocar as camadas invertidas, para que não desmanchem na hora de desenformar”, disse. “É incrível como ingredientes nada nobres e comuns, como porco e mandioca, podem se tornar um prato surpreendente – o mais vendido no Glouton até hoje – e me trazer tanta coisa boa.”

Riquezas do cerrado
A chef funcional Carol Fadel, impressionou o público com a saborosa costelinha de porco. “É uma receita de forno que não tem nenhuma complexidade, mas muitas vezes fazer algo simples é o mais difícil”, afirmou Carol.
A carne suína foi servida com geleia de cagaita e crispy de baru, visto que a chef quis aproveitar sua aula para falar sobre as frutas do cerrado. “Escolhi valorizar os ingredientes dessa região que fica tão perto de Brasília, mas a maioria das pessoas não conhece mesmo sendo vendidas aqui no Mercado Central”, disse a chef.
A cagaita é uma fruta azedinha, mas, com o açúcar da geleia, resultou em um molho agridoce, que deu toque especial à costelinha. Contudo, é preciso ter cuidado na hora de usá-la. Segundo Carol, não se deve utilizar cagaita muito madura e nem em grandes quantidades, pois quando fermentada ela pode causar desconforto intestinal.
Adoçando o restinho da aula, a chef também ensinou uma sobremesa com as frutas do cerrado, a torta de base de castanha-de-baru com doce de leite, coulis de cagaita e farofinha de jatobá.
*Reportagem publicada na edição 198 de Prazeres da Mesa